Perseguições e torturas, livros e pessoas queimadas em fogueiras por questões político-religiosas. Estes parecem cenários esquecidos no passado medieval, mas, como num andar em círculo, a história parece se repetir com requintes de crueldade psicoemocional e, se facilitar, também física. Pelo menos, há quem sinta na pele, como foi o caso do pastor batista Sérgio Dusilek, que caiu na “fogueira santa” digital da radicalização, depois de fazer uma manifestação em ato de apoio ao ex-presidente Lula, no Estado do Rio.
“Ao longo dos últimos doze anos, de maneira geral, os batistas convencionais não condenaram os pronunciamentos contra alguns partidos políticos e seus quadros, antes permitiram acenos ao espectro político mais à direita, tolerando inclusive a fala presidencial em Assembleia. Tão pouco condenaram o apoio de líderes denominacionais a candidatos”.
Este é um dos trechos da carta de Sérgio Dusilek, enviada na última terça-feira (13) à Convenção Batista Carioca, renunciando à presidência da instituição, depois do massacre que sofreu após se pronunciar no ato realizado em um clube de São Gonçalo (RJ), no último dia 9, reunindo por líderes evangélicos em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência.
“Estou sofrendo ataques e sendo alvo de uma política de cancelamento. Decidi renunciar para não prejudicar os trabalhos da convenção”, disse o pastor Sérgio Dusilek à colunista Mônica Bérgamo, da Folha de São Paulo.
Livros Queimados
De acordo com a colunista, além de críticas, Sérgio Dusilek, que é filho do também pastor Darcy Dusilek e de Nancy Dusilek, que estão entre as maiores lideranças do mundo batista brasileiro, teve livros seus queimados e jogados no lixo. Darcy, falecido em 16 de agosto de 2007, foi um dos mais notórios professores do Seminário Batista do Sul do Brasil, em cuja capela seu corpo foi velado, e chegou a presidir a Convenção Batista Brasileira.
A jornalista da Folha registra que Sergio Dusilek diz que nunca foi eleitor de carteirinha do PT – ele diz ter votado em Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Alckmin contra Lula nas campanhas presidenciais de 1989, 1994 e 2006. Mas afirma que que aprendeu “como Jesus de Nazaré” a jamais “demonizar uma pessoa”, como outros líderes evangélicos alinhados a Jair Bolsonaro estão fazendo.
Desde que foi eleito presidente da Convenção Carioca, Sérgio Dusilek sentiu dificuldades para se conduzir e logo identificou que isso tinha ligação com suas posições teológicas e políticas. Na própria carta de renúncia, o pastor cita essa situação:
“A mim, sempre me pareceu que tais dificuldades poderiam estar ligadas ao visível desconforto, por setores da denominação, com minha eleição em final de Outubro de 2021. Tais setores, silentes num primeiro momento, retornaram a fala por ocasião do meu pronunciamento em caráter estritamente pessoal e intransferível no Encontro do Ex-Presidente Lula com Evangélicos na última sexta-feira (09/09), na cidade de São Gonçalo (RJ)”.
Livro escrito por Sérgio Dusilek, queimado e jogado no lixo depois de seu ato de apoio à candidatura de Lula (Arquivo Pessoal)
Sérgio Dusilek explicou o contexto de sua participação no encontro: “O convite, feito por uma amiga na véspera do evento, não foi dirigido à CBC, mas a mim, o que se confirma até pelos trajes casuais que vestia. Nem mesmo sabia de antemão que, além de convidado a ir, também seria convidado para uma breve fala. O vídeo, se visto na íntegra, atesta que me pronunciei como um batista que sou. Em nenhum momento falei, ou pretendi falar, pelos batistas sejam eles da CBC ou da CBB, o que coaduna com minha formação e lastro denominacional. Desta feita, respeitei tanto o Princípio da Liberdade de Consciência e Expressão, quanto o Princípio de Separação entre Igreja e Estado”.
O agora ex-presidente da CBC disse que também aproveitou “a rara oportunidade que me foi dada para exortar, a partir das Sagradas Escrituras, os candidatos”. E acrescentou: “Falei de Justiça Social. Denunciei a mendicância que violenta nossos compatriotas e avilta a Deus”.
Nota da Convenção
Na véspera de sua renúncia, Sérgio ainda pôde ver a nota pública da Convenção Batista Brasileira desaprovando sua participação e sua fala no encontro com o ex-presidente Lula.
“Declaramos a nossa total estranheza e desaprovação a manifestação do pastor Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek, presidente da Convenção Batista Carioca, em evento político partidário na cidade de São Gonçalo (RJ). A declaração foi registrada em vídeo e amplamente divulgada nas redes sociais. Reafirmamos que, como instituição, não declaramos apoio a nenhum candidato a cargo público ou partido político. Ao longo de nossa história de 151 zelamos pelos nossos princípios e pelo que cremos. Entre os princípios batistas estão a liberdade de consciência e a liberdade de expressão”, diz parte da nota, disponível no perfil @cbboficial, no instagran.
Quando Sérgio Dusilek menciona que “ao longo dos últimos doze anos, de maneira geral, os batistas convencionais não condenaram os pronunciamentos contra alguns partidos políticos e seus quadros, antes permitiram acenos ao espectro político mais à direita”, está remetendo à polêmica manifestação feita pelo pastor Paschoal Piragine, presidente da Primeira Igreja Batista de Curitiba (PR), uma das maiores do Brasil, que do púlpito e publicamente disse aos seus membros: “Não vote no PT”.
Na época, Piragine disse que se posicionou “após ler documentos dos anais de um congresso do PT, contrários aos princípios cristãos”, e seis anos depois reafirmou sua posição numa entrevista ao site semprefamilia.com.br, no calor do impeachment de Dilma Roussef e do trabalho da Operação Lava-Jato – um dos principais promotores do caso é membro da igreja que ele lidera.
A carta na íntegra
“Porque nada podemos contra a verdade, porém, a favor da verdade. (II Cor.13:8)
Prezados Irmãos e Irmãs da Convenção Batista Carioca (CBC), Paz e Graça sobre cada um de vocês e suas casas.
Há cerca de três semanas, sinalizei à Assessoria de Finanças do Conselho da CBC, em sua reunião, meu forte desejo de renunciar ao mandato. Na minha leitura, a ausência de um fluxo de informações cruciais, tornava excruciante a experiência da liderança da CBC, especialmente na busca de solução para problemas que se arrastam há anos. Naquele momento, não efetivei a decisão, pois foi-me pedido para antes nos reunirmos, em caráter informal, com o Conselho da Convenção. A mim, sempre me pareceu que tais dificuldades poderiam estar ligadas ao visível desconforto, por setores da denominação, com minha eleição em final de Outubro de 2021.
Tais setores, silentes num primeiro momento, retornaram a fala por ocasião do meu pronunciamento em caráter estritamente pessoal e intransferível no Encontro do Ex-Presidente Lula com Evangélicos na última sexta-feira (09/09), na cidade de São Gonçalo (RJ). O convite, feito por uma amiga na véspera do evento, não foi dirigido à CBC, mas a mim, o que se confirma até pelos trajes casuais que vestia. Nem mesmo sabia de antemão que, além de convidado a ir, também seria convidado para uma breve fala.
O vídeo, se visto na íntegra, atesta que me pronunciei como um batista que sou. Em nenhum momento falei, ou pretendi falar, pelos batistas sejam eles da CBC ou da CBB, o que coaduna com minha formação e lastro denominacional. Desta feita, respeitei tanto o Princípio da Liberdade de Consciência e Expressão, quanto o Princípio de Separação entre Igreja e Estado.
Aproveitei a rara oportunidade que me foi dada para exortar, a partir das Sagradas Escrituras, os candidatos. Falei de Justiça Social. Denunciei a mendicância que violenta nossos compatriotas e avilta a Deus.
De igual modo não contaminei o espaço religioso: o templo. Não profaneio sagrado: o culto. Tampouco violei a consciência de qualquer congregação. Estava em um clube, em um evento político, com cidadãos e cidadãs de variados matizes de fé e ideologias.
Apenas a título de exemplo, meu procedimento foi exatamente o mesmo quando, em um evento no final de junho, por conta de um convite feito por um amigo, estive em um encontro em que o Deputado Hélio “Bolsonaro” Lopes, candidato à reeleição, foi homenageado.
Naquela ocasião, fui chamado para compor a mesa e, quando — sem saber de antemão que falaria — foi-me dada a palavra, me apresentaram como Presidente da CBC. De igual modo, falei como Batista e não em nome dos batistas.
Por isso, me parece fácil concluir que o problema nunca esteve em — alheio à minha vontade — ser apresentado como Presidente da CBC, e muito menos no conteúdo da minha fala como cidadão, e sim para quem eu falei.
Digo isto porque ao longo dos últimos doze anos, de maneira geral, os batistas convencionais não condenaram os pronunciamentos contra alguns partidos políticos e seus quadros, antes permitiram acenos ao espectro político mais à direita, tolerando inclusive a fala presidencial em Assembleia. Tão pouco condenaram o apoio de líderes denominacionais a candidatos.
Isto posto, com a lisura e desapego a cargos com que sempre me conduzi, e visando pacificar a Convenção Batista Carioca, renuncio, em caráter irrevogável, ao meu mandato de Presidente da Convenção Batista Carioca. Em Cristo, Justiça nossa, fraternalmente, Sérgio Dusilek.”
fonte: Tribuna Norte-Leste