Os últimos dias foram de turbulência nos mercados. A razão, a essa altura, você já sabe. A quebra de bancos regionais nos Estados Unidos – seguida de uma crise que levou um dos maiores bancos suíços a receber apoio do banco central da Suíça – despertou a aversão ao risco entre os investidores.
Diante desse cenário, para onde vão os juros americanos? A crise lá de fora pode interferir na taxa básica de juros brasileira?
Mundo
Como fica o plano de voo do Fed?
Depois da derrocada do Silicon Valley Bank (SVB), que encerrou suas atividades há pouco mais de uma semana, as atenções se voltaram para o segmento financeiro americano. Haveria outras instituições financeiras na mesma situação que o SVB nos EUA? E o que essa possibilidade significa para a autoridade monetária do país?
Antes de refletirmos sobre isso, recapitulamos, de forma simplificada, o que aconteceu:
•O SVB era um banco com sede no Vale do Silício voltado para startups – jovens empresas de base tecnológica que, após perderem acesso ao capital barato que os juros de 0% forneciam, precisaram resgatar parte de seus depósitos
•Como o SVB estava em dificuldade (já que boa parte de sua carteira era composta por títulos que, com a alta dos juros, haviam perdido valor), ele anunciou a intenção de levantar capital e se viu obrigado a vender ativos mesmo sob prejuízo
•A atitude soou como alarme e, só no dia 9 de março, mais de US$ 40 bilhões tinham sido retirados do banco, que em seguida quebrou
Isso mexeu com o mercado – e não só. Praticamente na mesma semana, vieram outras notícias: dois bancos menores (do setor de criptoativos) também encerraram as atividades; um dos maiores bancos suíços revelou fragilidades em seus relatórios financeiros; e outro banco americano (com foco em private banking e gestão de fortunas) recebeu ajuda de US$ 30 bilhões de grandes bancos.
Todo esse cenário tem feito os analistas enxergarem os juros americanos cada vez mais baixos no futuro, como mostra o gráfico abaixo. A leitura é a de que a alta de juros que prejudicou o SVB também pode afetar outros.
Nossa visão, no entanto, é diferente da que está exibida no gráfico. Não esperamos que os juros americanos caiam antes de meados de 2024.
Acreditamos que as medidas tomadas pelos órgãos reguladores americanos contribuam para evitar um contágio. Entre elas, estão: garantia de proteção para o valor total dos depósitos dos clientes, independentemente do valor em conta (a garantia usual é de até US$ 250 mil), e um programa de financiamento para dar liquidez adicional às instituições financeiras.
Vale lembrar ainda que 2008 deixou aprendizados. A regulação do sistema bancário americano hoje é mais rigorosa e as instituições financeiras estão mais capitalizadas. Esses ingredientes, mais o fato de a crise estar concentrada em bancos de menor porte, dificultam a ocorrência de um colapso semelhante ao de 15 anos atrás.
De qualquer forma, o contexto atual afasta a possibilidade de o Federal Reserve (Fed, banco central americano) promover um aperto muito forte na próxima decisão de política monetária. É pouco provável que a alta de 0,50% aventada pelo presidente da entidade duas semanas atrás ocorra.
Nossa expectativa é a de que o Fed adicione 0,25% à taxa básica de juros da economia americana nesta semana.
É preciso dizer que a incerteza segue muito elevada e, caso os problemas no setor se agravem, existe, sim, a chance de o Fed cortar os juros em breve.
Bom, e essa história toda pode impactar o Brasil?
A aversão ao risco, de fato, não favorece o câmbio de quase nenhum país, muito menos de emergente. A redução da demanda pelas moedas emergentes provoca a valorização do dólar e, consequentemente, mais inflação. Por outro lado, um abalo na economia global tende a puxar os preços das commodities para baixo, aliviando a inflação.
Calculamos que o impacto da crise do exterior na inflação do Brasil (via câmbio e commodities) até o momento é pequeno, de – 0,2 ponto percentual. Nada que justifique, por ora, uma mudança na condução da política monetária.
EUA: inflação persistente
A inflação americana desacelerou, mas segue em nível elevado. Em fevereiro, o Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) registrou alta de 0,4% ante janeiro e alta de 6% no acumulado de 12 meses. Trata-se de um leve respiro, se compararmos com os 6,4% de janeiro.
A pressão inflacionária continua nos EUA principalmente por conta do mercado de trabalho, que permanece com salários acima da produtividade. É um quadro que contribui – e muito – para a elevação dos preços dos serviços. Os aluguéis, em especial, responderam por 63,5% do avanço do CPI em fevereiro.
O núcleo do índice, que exclui energia e alimentos, acelerou de 0,4% para 0,5% entre janeiro e fevereiro. Em 12 meses, a alta do núcleo foi de 5,5%.
BCE: mais juros na zona do euro
Apesar da turbulência nos mercados, o Banco Central Europeu (BCE) manteve os planos e decidiu elevar os juros na zona do euro em 0,5 ponto percentual. A justificativa? A inflação deve permanecer muito alta e por muito tempo, disse a autoridade monetária no comunicado em que anunciou a decisão.
O objetivo do BCE é trazer a inflação de volta para a meta, que é de 2%. A zona do euro, como sabemos, está longe disso. O Índice de Preços ao Consumidor (CPI) registrou alta de 8,5% em 12 meses até fevereiro.
As projeções mais recentes do BCE apontam para uma inflação voltando para a meta na zona do euro só em 2025.
A autoridade monetária reforçou que o próximo aumento de juros dependerá dos dados, deixando em aberto a possibilidade de desacelerar o ritmo de aperto monetário.
Na nossa visão, o mais provável é que o BCE reduza a magnitude da alta dos juros a partir da próxima reunião, em 4 de maio, por conta das incertezas na economia global. De qualquer forma, acreditamos que a entidade manterá os juros em nível elevado por um bom tempo.
Brasil
Desemprego aumenta em janeiro
A taxa de desemprego no Brasil subiu em janeiro. Considerando nosso ajuste sazonal, que exclui as flutuações conforme a época do ano, a taxa passou de 8,5% no trimestre encerrado em dezembro para 8,7% no trimestre encerrado em janeiro.
Os dados do IBGE confirmam a tendência de esfriamento do mercado de trabalho que vínhamos observando desde o fim do ano passado. Essa tendência, resultante do crescimento mais fraco da economia brasileira, deve continuar nos próximos meses.
Projetamos que a taxa de desemprego no Brasil fique em 9% em 2023 e 9,5% em 2024.