A Banalização Do Dom De Línguas: “The King, The Power, The Best…” (Parte 3) – Religião

A Banalização Do Dom De Línguas: “The King, The Power, The Best…” (Parte 2) – Religião

Você pode ler a parte 1 deste artigo AQUI

Dom de Línguas: O Desvirtuamento Contemporâneo

A Transformação do Dom em “Selo de Autoridade”. Em muitos círculos pentecostais modernos, especialmente os mais expostos às dinâmicas das redes sociais e aos grandes eventos religiosos, o dom de línguas tem sofrido uma perigosa mutação. De um instrumento divino de edificação pessoal e sinal espiritual, passou a ser, em muitos púlpitos, um símbolo informal de autoridade e validação ministerial. O que deveria ser um dom, tornou-se um atestado de poder espiritual – mesmo quando dissociado do caráter, da doutrina e da verdade bíblica.

Esse fenômeno pode ser chamado de “clericalismo carismático“: a autoridade do pregador não emana mais do conhecimento das Escrituras nem da vida de santidade, mas da fluência performática em línguas. Quando um pregador, em meio a sua mensagem, interrompe para “falar em línguas”, muitos dos ouvintes interpretam isso como uma “confirmação divina” do que foi dito – ainda que a fala tenha sido teologicamente rasa ou até antibíblica.

Isso inverte completamente o padrão das Escrituras. Em Atos dos Apóstolos e nas Epístolas, a autoridade espiritual dos líderes da Igreja era atestada por:

  • Uma vida irrepreensível (1 Tm 3:2)
  • Fidelidade à doutrina apostólica (2 Tm 1:13)
  • Domínio da Palavra com sabedoria (Tt 1:9)
  • Frutos visíveis do Espírito (Gl 5:22-23)

Já o uso de línguas era espontâneo, reverente, e raramente feito em público de forma performática.

De Elias a Jesus: A unção verdadeira não grita, transforma. Um texto crucial para esse debate é 1 Reis 19:11-12. O profeta Elias, cansado e deprimido, espera ouvir Deus no vento forte, no terremoto e no fogo – todos símbolos de poder visível e impressionante. Mas Deus não estava ali. Ele se manifestou num “sussurro suave e tranquilo” (qol demamah daqah, em hebraico – literalmente, “uma voz de silêncio delicado”.

“…mas o Senhor não estava no vento… nem no terremoto… nem no fogo. E depois do fogo, uma voz mansa e delicada“. (1 Reis 19:11-12)

Este texto ensina que o Espírito de Deus não precisa de barulho para ser presente. A glória do Senhor não depende do volume, mas da verdade. A unção não se mede por gritos em línguas, mas por vidas transformadas, pecadores arrependidos, e o nome de Jesus exaltado acima do ego do pregador.

Quando se coloca as línguas como selo de autoridade sem interpretação, sem temor e sem discernimento, confunde-se unção com emoção, e autoridade espiritual com teatro religioso. Isso gera uma espiritualidade superficial e impulsiva, onde muitos são ensinados a “esperar o grito” para crer que “Deus falou”.

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O Uso Teatral das Línguas nas Redes Sociais: Espetáculo ou Escândalo?

Vivemos a era da exposição total. Cultos transmitidos ao vivo, pregações recortadas em vídeos curtos, reels de 30 segundos com trechos de avivamento intenso… e, no meio disso, línguas estranhas performadas como parte do script.

Não é raro ver pregadores falando de forma ensaiada, alternando entre piadas, frases de efeito e um repentino “momento de línguas” quase como um efeito especial emocional. Isso ocorre principalmente no Instagram, TikTok e YouTube, onde o tempo curto e o apelo emocional incentivam o uso de elementos que causem impacto.

Mas o problema é grave. O que é sagrado está sendo manipulado como se fosse material de marketing.

O Senhor Jesus advertiu seriamente sobre esse tipo de religiosidade de vitrine: “E, quando orares, não sejas como os hipócritas; porque gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão”. (Mateus 6:5)

Ao expor as línguas publicamente com a intenção de validar a própria imagem espiritual ou gerar engajamento digital, está-se promovendo um tipo de glória que não vai para Deus, mas para o ego do pregador.

O perigo do escândalo: quando o mundo zomba do que deveria respeitar. A superficialidade das redes sociais não só banaliza os dons como também alimenta o escárnio. Muitos vídeos com manifestações espirituais têm sido editados com músicas cômicas, memes e comentários irônicos – transformando o que é sagrado em objeto de zombaria.

Jesus foi claro: “Ai do mundo por causa dos escândalos! porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!” (Mateus 18:7)

O escândalo aqui não é simplesmente o tropeço moral – é qualquer atitude que leve os outros a desprezarem ou desconfiarem da fé. Quando o uso teatral das línguas é percebido por incrédulos como manipulação emocional, o Evangelho perde sua credibilidade diante dos olhos do mundo.

Além disso, há um risco interno: muitos jovens crentes, influenciados por esses conteúdos, tentam imitar tais práticas, acreditando que assim serão espirituais. Isso pode gerar frustração, imaturidade espiritual e uma fé baseada na estética do culto e não na cruz de Cristo.

A Espetacularização dos Dons: Um Avivamento Sem Cruz

O teólogo pentecostal Frank Bartleman, participante do grande avivamento da Rua Azusa, em 1906, já alertava: “O que começou com lágrimas, quebrantamento e oração terminará em gritaria, barulho e carnalidade se não houver cruz“.

Essa profecia se mostra atual. O uso irresponsável das línguas como elemento teatral revela um avivamento de superfície, sem quebrantamento real, sem arrependimento genuíno e sem fome pela Palavra.

A cruz saiu do centro. Entraram os holofotes, o entretenimento religioso, e o “pentecostalismo instagramável“.

Como Resgatar o Dom da Banalização?

  • Retornando à centralidade da Palavra: Toda manifestação deve confirmar a Palavra, não substituí-la (Mc 16:20).
  • Resgatando a reverência litúrgica: Cultos são momentos de adoração, ensino e entrega – não apresentações.
  • Treinando líderes e pregadores: É urgente formar ministros que compreendam o papel dos dons à luz da Bíblia, e não como ferramentas de projeção pessoal.
  • Desencorajando a autopromoção espiritual: A liderança deve corrigir, com amor e firmeza, quem expõe os dons para autopromoção pública.
  • Discipulando a nova geração: Os mais jovens precisam ser ensinados a buscar o Espírito com humildade, e não como um código de status espiritual.

Honrar o Dom, Preservar a Glória de Deus. O falar em línguas é uma dádiva do céu. Mas quando se transforma em instrumento de vaidade ou marketing pessoal, deixa de ser dom – e se torna profanação. O Espírito Santo não se empresta a espetáculos. Ele é Santo. Ele guia à verdade. Ele glorifica Cristo.

E toda manifestação que desonra Cristo, confunde a Igreja ou escandaliza o mundo não vem do Espírito, ainda que pareça espiritual.

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O Uso das Línguas na Vida Coletiva da igreja: Ordem, Edificação e Discernimento

Falar em línguas é bênção – mas deve ter direção no corpo. O dom de línguas, como manifestação espiritual concedida pelo Espírito Santo, é considerado por muitos pentecostais como a evidência inicial do batismo no Espírito, com base em Atos 2:4, Atos 10:46 e Atos 19:6. Ainda que essa convicção seja amplamente aceita, é necessário reconhecer que a continuidade do uso das línguas na vida cristã não é apenas um sinal do batismo, mas um dom que precisa de orientação e propósito dentro do corpo de Cristo.

Paulo não rejeita o dom – pelo contrário, ele o valoriza:Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos“. (1 Coríntios 14:18)

No entanto, o mesmo Paulo também deixa claro que há uma diferença entre a edificação pessoal e a edificação coletiva: “O que fala em língua estranha edifica-se a si mesmo; mas o que profetiza edifica a igreja“. (1 Coríntios 14:4)

Aqui está o ponto-chave: o dom de línguas não é problema algum – desde que se compreenda o seu lugar e função. Usá-lo fora de sua finalidade pode causar confusão, afastar os não crentes, ou até criar um ambiente onde se valoriza mais a manifestação do que a transformação.

A beleza do silêncio espiritual: quando falar com Deus é mais adequado. Um dos grandes ensinamentos de Paulo é que nem toda expressão espiritual precisa ser pública. Há momentos em que as línguas são uma comunicação entre o espírito humano e Deus: “Porque, se eu orar em língua estranha, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto“. (1 Coríntios 14:14)

E se não há intérprete?
“E se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus”. (1 Coríntios 14:28)

Esse texto não reprime o dom, mas redireciona o seu uso. Paulo propõe algo profundamente espiritual: que a pessoa continue falando com Deus, mas em silêncio, sem ocupar o espaço coletivo. Isso é maturidade espiritual. É compreender que há tempo de falar e tempo de calar (Ec 3:7), e que o Espírito não perde sua presença quando agimos com ordem e reverência.

Infelizmente, o que se vê em muitos púlpitos e redes sociais é o uso descontrolado e indiscriminado das línguas, sem qualquer intenção de edificar ou interpretar. O resultado é uma espiritualidade barulhenta, mas não necessariamente frutífera. A experiência continua sendo válida – mas quando orientada pelo amor e pela Palavra, ela se torna ainda mais poderosa.

O valor da profecia e da palavra inteligível no culto.Maior é o que profetiza do que o que fala línguas, a não ser que as interprete, para que a igreja receba edificação” (1 Coríntios 14:5).

Neste verso, Paulo não está desvalorizando o dom de línguas, mas estabelecendo um critério funcional para a vida litúrgica da igreja: o que mais edifica a todos deve ter prioridade no espaço coletivo.

No mesmo capítulo, ele é enfático: “Todavia, na igreja, antes quero falar cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida“. (1 Coríntios 14:19)

A ênfase aqui está na clareza. O culto cristão é um momento de revelação, ensino, exortação, consolo e transformação. Quando todos falam em línguas ao mesmo tempo, sem interpretação, perde-se a finalidade maior do encontro: a edificação do corpo.

Isso não significa que as línguas devem ser excluídas do culto – longe disso. Elas podem (e devem) ser usadas:

  • Com interpretação (1 Co 14:27)
  • Em momentos devocionais pessoais, mesmo dentro do culto
  • Em ambientes de intercessão e consagração, quando conduzidas por discernimento espiritual

Mas se não houver interpretação pública, que se fale consigo mesmo e com Deus. Isso não apaga o Espírito – pelo contrário, mostra maturidade e reverência.

Cultos com ordem não são cultos sem fogo. Muitos têm medo de corrigir excessos com receio de “resistirem ao Espírito”. Mas Paulo ensina que a ação do Espírito é compatível com organização e clareza:

  • “Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos”. (1 Coríntios 14:33)
  • “Mas faça-se tudo decentemente e com ordem”. (1 Coríntios 14:40)

Esses dois versos são âncoras para a liturgia pentecostal. Ter ordem não é apagar o Espírito, mas criar ambiente para que Ele opere com profundidade, clareza e reverência.

A verdadeira manifestação do Espírito:

  • não anula o entendimento;
  • não tumultua a adoração;
  • não anula a Palavra;
  • não desonra o coletivo.

Línguas, profecias, visões, lágrimas, danças espirituais – tudo pode coexistir se conduzido com temor e entendimento. O problema não está no dom, mas no abuso. A reverência traz equilíbrio; o equilíbrio favorece o mover genuíno.

Celebre o dom, honre a ordem. Portanto, falar em línguas é um dom abençoado, poderoso e indispensável na experiência pentecostal. Ele acompanha o mover de Deus desde Atos até os dias atuais. No entanto, ele precisa ser celebrado com discernimento, praticado com reverência e conduzido com amor ao corpo.

Não se trata de silenciar o dom, mas de guiá-lo pelo trilho da sabedoria bíblica. Quando assim fazemos, o culto deixa de ser barulho e se torna avivamento verdadeiro. E todos – tanto os crentes quanto os visitantes – reconhecerão que Deus está presente no meio do Seu povo (1 Co 14:25).

Este estudo aprofundado sobre o uso banal do dom de línguas continua AQUI

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