A Origem do Conceito de Livre-Arbítrio
O termo “livre-arbítrio” tem suas raízes na filosofia e na teologia cristã, sendo derivado do latim liberum arbitrium. Ele expressa a capacidade humana de fazer escolhas de forma voluntária, sem coerção externa determinante. A noção de livre-arbítrio é fundamental para debates sobre responsabilidade moral, salvação e soberania divina. Na história da teologia, essa discussão tem sido polarizada por diferentes visões, cada uma buscando fundamentação nas Escrituras.
Desde os primeiros séculos do Cristianismo, teólogos como Agostinho de Hipona (354-430) e Pelágio (360-418) travaram debates sobre a natureza da vontade humana após a queda de Adão. A Reforma Protestante trouxe novas ênfases, com Martinho Lutero e João Calvino enfatizando a soberania de Deus, enquanto Jacobus Arminius e John Wesley defenderam uma forma de liberdade humana que possibilita a resposta ao chamado divino.
A seguir, exploraremos as principais visões teológicas sobre o livre-arbítrio, destacando seus proponentes, fundamentos bíblicos, argumentos teológicos e pontos críticos.

1. Livre-Arbítrio Libertário (Arminianismo/Wesleyanismo)
Definição
O livre-arbítrio libertário defende que os seres humanos possuem a capacidade genuína de escolher entre alternativas possíveis. Segundo essa visão, o pecado afetou a humanidade, mas não eliminou sua capacidade de responder ao chamado divino. A graça preveniente de Deus capacita o ser humano a crer ou rejeitar a salvação.
Proponentes Principais
- Jacobus Arminius (1560–1609)
- John Wesley (1703–1791)
Fundamentos Bíblicos
- Deuteronômio 30:19 – “Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas.”
- Mateus 23:37 – “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e não quisestes!”
- 1 Timóteo 2:4 – “[Deus] quer que todos os homens sejam salvos e venham ao conhecimento da verdade.”
Citação Teológica
John Wesley afirmou: “A graça preveniente inclui a primeira centelha da vida divina, a primeira luz de entendimento espiritual e a primeira capacidade de desejar o bem.”
Crítica
Essa visão é criticada por minimizar a profundidade da depravação humana pós-queda. Reformados argumentam que, sem uma regeneração monergística, o homem permanece espiritualmente morto e incapaz de escolher Deus.
2. Molinismo
Definição
O Molinismo, formulado pelo teólogo jesuíta Luís de Molina, propõe que Deus possui um conhecimento médio (scientia media), que permite a Ele saber o que cada pessoa faria em qualquer circunstância possível. Dessa forma, Deus soberanamente ordena os eventos da história sem violar a liberdade humana.
Proponentes Principais
- Luís de Molina (1535–1600)
- William Lane Craig (1950–)
Fundamentos Bíblicos
- 1 Samuel 23:10-13 – Deus revela a Davi o que aconteceria se ele permanecesse em Queila, mostrando conhecimento de eventos condicionais.
- Mateus 11:21-23 – Jesus afirma que se os milagres feitos em Cafarnaum tivessem sido feitos em Tiro e Sidom, elas teriam se arrependido, sugerindo que Deus conhece realidades contrafactuais.
Citação Teológica
William Lane Craig afirma: “O Molinismo oferece uma maneira de reconciliar a soberania divina e a liberdade humana sem recorrer ao determinismo.”
Crítica
Críticos reformados argumentam que a scientia media não tem uma base bíblica explícita e que compromete a soberania absoluta de Deus ao postular que Ele se baseia em escolhas humanas possíveis para definir Seus decretos.

3. Compatibilismo (Calvinismo/Reformado)
Definição
O compatibilismo ensina que a soberania de Deus e a responsabilidade humana coexistem. O ser humano sempre escolhe conforme seus desejos, mas esses desejos são influenciados pela natureza caída, sendo necessário que Deus transforme o coração para que o indivíduo escolha corretamente.
Proponentes Principais
- João Calvino (1509–1564)
- Jonathan Edwards (1703–1758)
- John Piper (1946–)
Fundamentos Bíblicos
- Provérbios 16:9 – “O coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos.”
- João 6:44 – “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer.”
- Efésios 1:4-5 – “Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo […] nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo.”
Citação Teológica
Jonathan Edwards escreveu: “A liberdade não é a ausência de causalidade, mas a ausência de coerção externa; um homem pode ser livre e ainda assim determinado por sua natureza.”
Crítica
Essa visão pode parecer fatalista para alguns, pois sugere que os não eleitos nunca tiveram uma chance real de salvação, o que levanta questões sobre a justiça de Deus.

4. Determinismo Teológico
Definição
O determinismo teológico afirma que todas as ações humanas são predestinadas por Deus. Não há espaço para escolha real, pois cada evento já foi decretado por Deus antes da fundação do mundo.
Proponentes Principais
- Agostinho de Hipona (354–430)
- Thomas Hobbes (1588–1679)
- Paul Helm (1940–)
Fundamentos Bíblicos
- Romanos 9:16 – “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece.”
- Isaías 46:10 – “Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam.”
Citação Teológica
Agostinho escreveu: “A vontade humana não pode resistir à soberania de Deus; o homem não pode querer o que Deus não quer que ele queira.”
Crítica
Essa visão parece eliminar a responsabilidade humana, tornando difícil harmonizá-la com passagens que chamam os pecadores ao arrependimento genuíno.
Conclusão: Entre Mistério e Revelação
O debate sobre o livre-arbítrio reflete uma tensão entre soberania divina e responsabilidade humana. Nenhuma visão resolve completamente todos os dilemas. A Bíblia apresenta tanto a predestinação divina quanto chamados ao arrependimento, apontando para um mistério que transcende a lógica humana.
Os reformados enfatizam a soberania divina, enquanto arminianos destacam a responsabilidade humana. O determinismo absoluto levanta questões sobre a justiça de Deus, enquanto o pelagianismo ignora a gravidade do pecado. O Molinismo busca um equilíbrio, mas é criticado por não ter base bíblica explícita.
Como Paulo disse em Romanos 11:33: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!”