“Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.” (João 4:23-24)
Em espírito e em verdade – a fala que redefiniu o culto
O contexto da declaração de Jesus é profundamente simbólico. Ele não está num templo. Está em Samaria, terra considerada impura pelos judeus. Está conversando com uma mulher, num poço, em pleno meio-dia — algo socialmente inaceitável. E, para surpresa maior, Jesus não fala sobre regras morais ou liturgia, mas sobre adoração.
O que Ele diz ali demole séculos de tradições religiosas e inaugura uma nova era no relacionamento entre Deus e o homem. Jesus declara que Deus busca adoradores — mas não quaisquer adoradores. Ele busca adoradores em espírito e em verdade.
A pergunta que precisamos responder é:
- O que exatamente significa adorar em espírito?
- O que é adorar em verdade?
- E por que Deus está ativamente procurando esse tipo de adorador?
- O Deus que procura adoradores. A primeira revelação é chocante: o Pai está à procura.
Não são os adoradores que estão buscando Deus — é Deus quem procura adoradores. Isso muda toda a perspectiva. Deus não está interessado apenas em receber culto — Ele busca relacionamento.
- Em Gênesis 3:9, Deus pergunta: “Adão, onde estás?”
- Em Lucas 15, o Pai corre ao encontro do filho.
- Em Apocalipse 3:20, Jesus está à porta e bate.
O Deus que exige adoração é o mesmo que se inclina para restaurá-la.
Essa busca revela o desejo do coração divino: homens e mulheres que, regenerados e reconciliados, adorem com autenticidade.

- Deus é Espírito — e isso muda tudo. Jesus diz: “Deus é Espírito.” Ele não diz “tem um espírito” ou “atua como espírito”. Ele é, em essência, Espírito (pneuma, no grego). Isso carrega implicações profundas:
- Ele não está limitado ao tempo ou ao espaço (como um templo).
- Ele não pode ser representado por imagens ou lugares físicos (Êxodo 20:4).
- Ele transcende as expressões visíveis do culto humano.
Paulo reforça isso em Atos 17:24-25 — “O Deus que fez o mundo… não habita em templos feitos por mãos humanas.”
Aplicação teológica: Se Deus é Espírito, a adoração aceitável deve acontecer em uma esfera espiritual. Não depende do lugar (Jerusalém ou Gerizim), mas da realidade interior do coração diante de Deus.
- Adorar em espírito: muito mais do que emoção. A expressão “em espírito” (ἐν πνεύματι – en pneumati) carrega duas dimensões:
a) No nosso espírito humano renovado. Jesus está falando da adoração que brota do nosso homem interior, do espírito regenerado e vivificado pelo Espírito Santo (Rm 8:16). A carne pode simular, mas só o espírito transformado pode adorar de verdade.
- Filipenses 3:3 — “Pois nós somos a circuncisão, que adoramos a Deus em espírito…”
- Efésios 2:1-5 — estávamos mortos, mas fomos vivificados no espírito.
Adorar em espírito é mais do que entusiasmo — é conexão viva com Deus, gerada pela regeneração.
b) No Espírito Santo. A adoração espiritual também aponta para a dependência do Espírito Santo. Ele nos guia, nos revela a grandeza de Deus, testifica com nosso espírito que somos filhos (Rm 8:15-16) e nos ajuda a orar como convém (Rm 8:26).
Adoração em espírito é aquela em que o Espírito Santo inspira, direciona, sustenta e santifica o culto do coração.
- Adorar em verdade: mais do que sinceridade. A palavra grega aqui é ἀλήθεια (alētheia), que significa “realidade, verdade plena, aquilo que é autêntico diante de Deus”.
Adorar em verdade tem, no mínimo, três implicações:
a) Segundo a revelação de Deus. A verdade bíblica é Cristo. Ele mesmo disse: “Eu sou a verdade.” (Jo 14:6).
Ou seja, adorar em verdade é adorar a Deus como Ele se revelou em Cristo — não segundo tradições humanas, heranças culturais ou preferências pessoais.
João 17:17 — “Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.”
b) Com autenticidade interior. A verdade também fala de coerência. Não se pode adorar com a boca o que se nega com a vida.
Isaías 29:13 — “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim.”
Adoração em verdade é sem hipocrisia, sem máscara, sem simulação.
c) Conforme a verdade do evangelho. A adoração verdadeira sempre exalta Cristo crucificado e ressurreto (1Co 15:3-4). É centrada na cruz, na graça, no perdão. Não adora para merecer — adora porque foi alcançado.

- O contraste com as adorações rejeitadas
Jesus estava falando com uma samaritana. Eles adoravam no Monte Gerizim, com uma mistura de verdades e enganos religiosos. Os judeus, por sua vez, adoravam no templo de Jerusalém — com formalismo e hipocrisia religiosa.
Ambos erraram por lados diferentes:
- Um povo adorava sem verdade revelada.
- Outro adorava sem espírito renovado.
Jesus propõe um novo caminho: adoração no espírito regenerado e na verdade encarnada.
- Implicações para a igreja hoje
Essa fala de Jesus continua sendo um filtro divino para o culto moderno. Não basta:
- Ter boa música se falta o Espírito.
- Ter beleza litúrgica sem verdade bíblica.
- Ter emoção sem conversão.
- Ter frequência sem transformação.
A adoração que agrada a Deus hoje é:
- Cristocêntrica – tem Cristo como centro
- Espiritual – nasce do novo nascimento
- Bíblica – guiada pela verdade revelada
- Sincera – sem vaidade religiosa
- Transformadora – nos leva a amar e servir
A adoração que Deus procura. Quando Jesus disse que o Pai procura adoradores em espírito e em verdade, Ele não estava instituindo um novo rito, mas revelando um novo coração. Adoração não é lugar, estilo, ou ritual — é resposta viva à revelação de Deus.
Adorar em espírito e em verdade é responder com o coração inteiro àquilo que Deus revelou de si mesmo. É ser transformado enquanto se adora. É permitir que a luz da verdade penetre o mais profundo da alma, e ali, no íntimo, o Espírito clame: Abba, Pai.
Porque Deus não busca multidões, nem eventos. Deus procura adoradores.