O Exigente Modelo Pastoral de João 10
No século XXI, o mundo fala alto — grita, dita tendências, empurra sistemas eclesiásticos para modelos empresariais, desafia as Escrituras e abafa a voz do céu. Em meio a esse cenário, o chamado pastoral resiste como um sopro do alto, uma convocação divina que insiste em formar pastores segundo o coração de Deus (Jr 3:15).
João 10:1–16 não é um texto decorativo sobre Jesus, tampouco uma simples metáfora pastoril. Trata-se de um manifesto profético do próprio Cristo, revelando o que significa cuidar de almas. Em tempos onde a imagem do pastor é confundida com a de um gestor, coach ou celebridade gospel, o Bom Pastor se apresenta como modelo atemporal de missão, entrega e intimidade com o rebanho.
Modelo Pastoral: A Porta e o Chamado
O Acesso Legítimo Ainda é a Cruz
“Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador” (João 10:1, ARC).
A primeira lição de Jesus é sobre legitimidade. O acesso ao ministério pastoral passa pela Porta, que Ele próprio afirma ser (Jo 10:9). Essa porta é símbolo de vocação legítima, nova vida e submissão à autoridade divina.
Nos nossos dias, a porta tem sido trocada por escadas. Muitos sobem, mas não entram. Pulam etapas da formação espiritual, evitam o quebrantamento, recusam o deserto. Assumem púlpitos sem terem passado pela cruz.
Há líderes que chegaram por:
- Apadrinhamento político-religioso;
- Herança ministerial mal compreendida;
- Domínio retórico e carisma sem piedade;
- Visão mercantil da fé.
Esses não foram chamados — se apresentaram. Não foram enviados — se lançaram. O verdadeiro pastor não se autoproclama. Ele é comissionado pelo Céu, confirmado pelo rebanho e provado pelas tribulações.
Num tempo em que o ministério é usado como carreira eclesiástica, João 10 nos confronta: só entra pela Porta quem já morreu para si e vive para Cristo.

Inimigos do Modelo Pastoral: Ladrões, Mercenários e Lobos
As Três Ameaças que evoluíram
Jesus identifica e denuncia três perfis que não pertencem ao pastoreio bíblico:
- O Ladrão (v.1, 10): Rouba a glória de Deus e as afeições do rebanho.
- O Mercenário (v.12-13): Trabalha por interesse e abandona quando a crise chega.
- O Lobo (v.12): Vem para destruir, dividir e devorar as ovelhas.
Esses inimigos não ficaram nos tempos bíblicos. Eles evoluíram com as estruturas religiosas modernas.
O ladrão moderno: É o manipulador emocional que sequestra o afeto do povo para si. É o líder narcisista que constrói impérios com o nome de Deus, mas não para Deus. É o pastor-celebridade que acumula seguidores, mas não discípulos. Rouba a atenção do Cordeiro e a centraliza em sua imagem.
O mercenário contemporâneo: É o pastor que prega, mas não vive. Exerce o cargo como meio de sustento, não como expressão de amor. Sente-se mais servidor da instituição que servo do Senhor. Quando o lobo chega — não protege, não luta, não chora — foge.
O lobo atual: Atua de forma mais sutil: usa a teologia para relativizar verdades bíblicas, introduz heresias com aparência de profundidade, espiritualiza distorções morais, corrompe a doutrina sob o rótulo de “amor”.
O pastor do século XXI precisa discernir e confrontar essas ameaças com coragem, graça e fidelidade à verdade.
Modelo Pastoral: O Bom Pastor: Kalós
Excelência no Cuidado
“Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas”. (Jo 10:11). A palavra grega usada aqui para “bom” é kalós, que significa mais do que bondade ética: significa beleza, excelência, nobreza em ação.
O Bom Pastor é:
- Autêntico em sua motivação.
- Excelente em seu cuidado.
- Nobre em seu sacrifício.
O contraste com os demais é gritante. O mercenário se beneficia do rebanho. O ladrão se aproveita dele. O lobo o devora. O Bom Pastor, no entanto, dá a sua vida.
No contexto atual, isso significa:
- Negar a fama para servir no anonimato.
- Rejeitar a comodidade para abraçar a cruz.
- Preferir o altar da intercessão ao palco das luzes.
O ministério pastoral deve recusar o modelo corporativo e abraçar o modelo sacrificial. O pastor é um instrumento — não um ídolo.

Modelo Pastoral: Intimidade que Cura
Conhecer para Cuidar
“Eu conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido”. (Jo 10:14)
A intimidade pastoral é mais que conhecer nomes — é conhecer dores, lutas, histórias, pecados. É estar disponível. Num tempo onde pastores estão atolados em reuniões, lives, eventos e obrigações institucionais, as ovelhas clamam por presença.
A igreja moderna está em crise de afeto:
- Membros abandonados emocionalmente.
- Jovens desorientados e sem discipulado.
- Famílias vivendo perdas sem consolo pastoral.
A solução não está em novos métodos — está em retornar à essência: o cuidado personalizado. Jesus conhecia os discípulos, suas falhas, seus medos — e mesmo assim os amava. Esse é o ministério que cura.
Modelo Pastoral: Outras Ovelhas
O Rebanho Vai Além da Instituição
“Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco…” (Jo 10:16). Aqui está o aspecto missionário e inclusivo do ministério pastoral. Jesus revela que seu rebanho não se limita ao contexto institucional.
Hoje, isso nos desafia a:
- Alcançar os desviados que estão feridos com a igreja.
- Buscar os que nunca ouviram o evangelho de forma autêntica.
- Ministrar aos que estão marginalizados por estruturas religiosas.
O pastor não pode viver preso, ele precisa:
- Entrar nas favelas, escolas, presídios, condomínios e redes sociais.
- Ministrar a empresários e mendigos com o mesmo amor.
- Ir até as ovelhas — pois muitas nunca entrarão no aprisco sozinhas.
- O ministério pastoral é para dentro — mas também para fora.
Modelo Pastoral: As Pressões do Século XXI
Quando o Ministério Vira Combate
O pastor moderno enfrenta pressões inéditas:
a) Pressão política: Candidatos cortejam igrejas com promessas. Pastores viram cabos eleitorais. O evangelho é instrumentalizado. Há uma tensão entre fé e influência política. O verdadeiro pastor é como João Batista: não negocia com Herodes.
b) Pressão institucional: A igreja vira empresa. O pastor, gerente. São cobrados resultados, não frutos. As reuniões valorizam cronogramas mais que oração. Alguns vivem exaustos, sem tempo para ouvir Deus.
c) Pressão cultural: O mundo exige que o pastor mude o discurso. Pregações são suavizadas, o inferno é omitido, o pecado é reconfigurado. Mas o verdadeiro pastor não molda o evangelho ao mundo — molda o mundo pelo evangelho.
d) Pressão emocional: Pastores enfrentam depressão, isolamento, críticas e cobranças desumanas. Muitos pensam em desistir. A saúde mental ministerial está em colapso silencioso.
Em tudo isso, João 10 nos lembra: o Pastor verdadeiro permanece. Mesmo sangrando, Ele não foge do lobo.

O Modelo Pastoral de Jesus: Entre o Lobo e as Ovelhas.
Jesus se interpôs entre o lobo e as ovelhas. Ele não se escondeu atrás do sistema, nem mandou outro em seu lugar.
Esse é o chamado para os pastores de hoje:
- Estar entre o povo e os perigos.
- Ser escudo contra as setas ideológicas.
- Ser voz de consolo no meio da dor.
- Ser ponte entre o céu e a terra.
“Eu dou a minha vida pelas ovelhas” (v.11). Esse é o modelo. Não é fácil. Não é glamoroso. Mas é divino.
Pastores com Cruz, Voz e Coração. O rebanho do século XXI não precisa de pastores corporativos, gurus motivacionais ou celebridades. Precisa de pastores com cruz, voz e coração.
- Com cruz, para negarem a si mesmos.
- Com voz, para proclamarem a verdade.
- Com coração, para amar até o fim.
Porque só há um rebanho e só há um Pastor. Que o Espírito Santo continue a formar em nós pastores segundo o coração de Deus, que não vendem sua vocação, não temem o lobo, não se calam diante do erro e não abandonam suas ovelhas — mesmo quando tudo conspira para isso.