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O novo tédio: como o excesso de estímulos está colapsando o trabalho e a cultura das empresas

Vivemos um tempo curioso: nunca estivemos tão entretidos, conectados, estimulados, e ainda assim, nunca estivemos tão tomados por um tédio profundo, difuso, difícil de nomear. Não se trata mais do tédio contemplativo da infância ou do vazio criativo que precede uma boa ideia. Este é outro tédio: o tédio do excesso.

Começa no indivíduo, mas não para nele. Essa incapacidade crescente de sustentar o silêncio, de permanecer presente diante da lentidão, da repetição ou do não saber, vaza das telas para a cultura e das casas para as empresas. Gerações inteiras foram condicionadas a evitar qualquer pausa, e agora ocupam posições estratégicas em organizações que exigem constância, foco e construção de longo prazo.

O resultado? Um descompasso brutal. Enquanto a cultura digital reduziu a paciência coletiva a segundos, o tempo das organizações segue operando em trimestres, ciclos, processos e relações. E nessa colisão silenciosa entre o imediatismo do indivíduo e a complexidade do sistema, nasce o novo mal-estar do nosso tempo. O tédio, hoje, não é uma falha pessoal. É um sinal de ruptura coletiva.

E é por isso que precisamos repensá-lo com urgência.

Segundo a Gallup (2023), 62% dos trabalhadores globais relatam falta de motivação frequente no trabalho, um índice que vem crescendo nos últimos 5 anos. Mas mais do que desmotivação, o que existe é incapacidade estrutural de sustentar o tempo das coisas. Ou seja: o que está em colapso não é só o engajamento, é a relação com o tédio.


O tédio do excesso

Ao contrário do que se pensa, o tédio moderno não nasce da falta de estímulo, mas do excesso deles. Um tédio anestesiado, que não vem da escassez, mas da saturação. Um ruído branco contínuo que, longe de nos provocar reflexão, apenas nos esgota. Vivemos cercados de conteúdo, barulho, movimento. Mas sem pausa, o tempo se dilui e a atenção se esfarela.

Esse tédio é sintoma de uma sociedade que foi treinada para evitar o silêncio a qualquer custo. Preenchemos cada brecha do dia com alguma forma de distração: uma notificação, uma aba nova, um episódio em segundo plano. Como afirma Sherry Turkle, do MIT, “estamos juntos, mas sozinhos”, constantemente conectados, mas desconectados de nós mesmos.

Nos tornamos intolerantes ao intervalo. Viciados em pequenos choques de estímulo. E toda vez que o mundo desacelera, sentimos desconforto, não porque há algo errado, mas porque fomos condicionados a fugir do vazio. O tédio não é mais um espaço para a criação. É visto como falha de performance.


O tédio como negócio

O mercado entendeu rápido: onde há desconforto, há oportunidade. E assim nasceu a economia do alívio, que transformou o tédio em produto. Se antes o tédio era um espaço natural entre estímulos, hoje ele é tratado como falha, e deve ser imediatamente preenchido com dopamina.

Aplicativos, plataformas, criadores de conteúdo, até mesmo marcas, todos aprenderam a oferecer micro recompensas para manter a mente ocupada. TikTok, Instagram Reels, YouTube Shorts, Netflix e Spotify criaram sistemas de engajamento baseados em “dopamina sob demanda”. Cada deslize, um estímulo. Cada clique, uma dose. O algoritmo substituiu o intervalo.

O problema é que isso não gera presença, gera dependência. E o resultado é uma geração que nunca aprende a lidar com o desconforto necessário à criação, ao aprendizado e à convivência. Como mostra um estudo da APA (American Psychological Association, 2022), mais de 72% dos jovens adultos nos Estados Unidos relatam dificuldade em sustentar foco ou lidar com situações de baixa estimulação, um efeito colateral direto do uso contínuo de plataformas de estímulo rápido.

Mas o impacto não fica do lado de fora. Esse indivíduo estimulado, fragmentado, impaciente, entra todos os dias nas organizações. E é aí que o tédio se infiltra por outra porta, agora como colapso de cultura.

O tédio infiltrado: sintomas de um descompasso cultural

O que acontece fora das empresas não fica do lado de fora. A intolerância ao tédio, moldada por anos de superestimulação digital e ciclos de recompensa imediata, se infiltra nas organizações como um ruído persistente. E ela não chega discretamente. Chega como um conjunto de sintomas cada vez mais visíveis, e cada vez menos compreendidos.

Veja os principais sinais que indicam esse mal-estar estrutural:

1. A repetição virou castigo.
Tarefas que antes compunham a espinha dorsal da entrega, como seguir processos, executar com consistência, sustentar cadência, agora são percebidas como opressivas. O colaborador médio atual associa repetição à estagnação. O que é essencial para a excelência operacional passou a ser visto como punição.

2. O tempo das empresas colapsou diante do tempo das redes.
Enquanto a vida digital opera em segundos e confirmações instantâneas, as organizações ainda trabalham com metas anuais, ciclos semestrais e entregas projetadas para meses. A espera que antes era norma agora soa como negligência. Uma avaliação de desempenho a cada 12 meses parece abandono em comparação ao algoritmo que responde em tempo real.

3. Cresce a intolerância ao silêncio e à lentidão.
Reuniões mais longas, espaços de reflexão, momentos de imersão profunda em problemas complexos são cada vez menos suportados. Tudo que escapa da lógica da recompensa imediata tende a ser abandonado ou criticado como “desalinhado com a cultura ágil”.

4. Baixa resiliência emocional à frustração.
Projetos de longo prazo, decisões com impacto diferido, necessidade de iteração, tudo isso se torna emocionalmente desgastante para equipes acostumadas à dopamina do curto prazo. A frustração que antes era parte do jogo agora vira motivo de desengajamento.

5. Trocas rápidas e falta de profundidade relacional.
A busca constante por novidade enfraquece vínculos organizacionais. Troca-se de função, de time ou até de empresa com mais frequência. Isso compromete a formação de cultura, confiança e senso de pertencimento, três pilares da performance sustentável.

Esses sintomas não indicam preguiça, falta de talento ou ausência de comprometimento. Eles revelam um descompasso entre o tempo psicológico da nova geração e o tempo institucional das empresas. A cultura organizacional, quando não atualizada, se torna um palco de fricção permanente.

Ou a organização aprende a lidar com essa nova mente, ou continuará tentando resolver com incentivo aquilo que exige reinvenção estrutural.


O tédio remediado: pare de tentar reviver os anos 90

Não adianta mais cobrar das pessoas a mesma lógica de atenção, disciplina e resiliência emocional que funcionava há 30 anos. O mundo mudou. O ser humano mudou. Mas muitas empresas ainda funcionam como se estivéssemos em 1998.

A aceleração tecnológica, a hiperestimulação digital e a busca por gratificação instantânea moldaram a psique coletiva. Uma geração inteira foi condicionada a evitar o desconforto, rejeitar a espera e buscar validação em tempo real. Ao colocar essas pessoas dentro de organizações que ainda operam em ciclos longos, metas anuais e silêncios estratégicos, o resultado é um descompasso profundo entre expectativa e estrutura.

O pior erro seria tentar voltar no tempo. Não se trata de transformar o trabalho em TikTok, mas de construir uma nova cultura de presença, que respeite o novo funcionamento psíquico das pessoas sem perder a essência do que precisa ser construído.

A seguir, cinco comandos pragmáticos para fazer isso acontecer:


1. Reduza o tempo dos ciclos sem reduzir a ambição dos projetos

Não espere doze meses para dizer se alguém está indo bem. Ciclos longos de avaliação e feedback não fazem mais sentido em um mundo onde o Instagram entrega validação em 15 segundos.

O que fazer:
Implemente ciclos trimestrais com checkpoints mensais. Use ferramentas como OKRs em cadência curta para dar visibilidade ao progresso. Divida projetos longos em missões curtas com entregas claras a cada 30 dias. Isso aumenta a motivação e a sensação de avanço.

Exemplo: A empresa brasileira Gupy reduziu seus ciclos de planejamento estratégico de 12 para 3 meses, com checkpoints quinzenais entre áreas, aumentando a velocidade de entrega e a clareza de impacto.


2. Transforme líderes em narradores ativos do porquê

Pare de pressupor que todos entendem o propósito. O cérebro estimulado precisa de repetição e contexto emocionalpara criar conexão com o trabalho.

O que fazer:
Treine líderes para narrar os ciclos de trabalho, reforçando o sentido das entregas. Contextualize decisões. Traduza metas em impacto real. Use histórias, não apenas indicadores. Crie rituais de abertura e fechamento de ciclos que reforcem conquistas e aprendizados.

Exemplo: Na ThoughtWorks, os líderes são treinados em storytelling de produto e propósito, criando um ambiente onde o time entende por que está fazendo o que faz, mesmo em tarefas rotineiras.


3. Incorpore estímulos de progressão no dia a dia

Gente que sente progresso fica. Gente que sente tédio desliga.

O que fazer:
Introduza gatilhos de avanço visível, como dashboards compartilhados, medalhas simbólicas, mini entregas celebradas publicamente. Não é gamificação rasa. É dar ao colaborador o mesmo senso de progressão que ele encontra nas plataformas que usa fora do trabalho.

Exemplo: O Nubank utiliza check-ins visuais e pequenos rituais semanais para celebrar o progresso das squads, reforçando o senso de construção coletiva.


4. Crie pausas com intenção, não só com café

Burnout não começa com excesso de trabalho, mas com ausência de sentido e de respiro.

O que fazer:
Institua rituais semanais de pausa intencional, como “horas sem reunião”, “doses de reflexão” e “encontros não performáticos”. Use o tempo para conversas reais, análise de aprendizados ou simplesmente silêncio compartilhado. Tempo vazio também constrói valor.

Exemplo: A Dropbox criou o conceito de “Core Collaboration Hours” e “Deep Work Wednesdays”, com ganho significativo de foco, qualidade de entrega e bem-estar.


5. Trate o tédio como dado de cultura, não como falha de gente

Tédio repetido não é preguiça. É desalinhamento estrutural.

O que fazer:
Crie canais para que as pessoas relatem onde sentem mais desconexão, desuso de talentos e falta de clareza. Mapeie essas zonas como parte do diagnóstico de cultura. O tédio, bem interpretado, aponta onde o sistema está falhando.

Exemplo: O Hubspot faz rodadas trimestrais com times para identificar tarefas de “baixo valor percebido” e realocar talentos para áreas de maior impacto.


O tédio como uma urgência mal compreendida

O tédio deixou de ser um incômodo individual e se tornou um problema estratégico nas organizações. Ele está presente nas reuniões que não engajam, nas metas que ninguém entende, nas lideranças ausentes e nos times ansiosos que pulam de tarefa em tarefa sem saber o porquê. E, mais grave ainda: está nas culturas que confundem agitação com relevância.

Ignorar o tédio é pagar caro por uma falsa produtividade. É operar com equipes mentalmente exaustas, emocionalmente descoladas e estruturalmente incapazes de sustentar o tempo da construção. Empresas que não souberem corrigir sua relação com o tédio não apenas perderão talentos, perderão sentido. E, sem sentido, tudo vira processo. E processo sem propósito é apenas uma máquina girando no vazio.

Reconfigurar esse pacto com o tédio não é um luxo filosófico. É uma necessidade competitiva. Organizações que reabilitarem o espaço da pausa, da reflexão e da presença serão aquelas capazes de criar estratégias mais profundas, culturas mais saudáveis e produtos mais humanos. O tédio, se bem acolhido, é a antessala da criatividade. A porta de entrada da reinvenção.

A pergunta não é mais se você vai lidar com isso.
É se você vai lidar agora, ou quando já for tarde.

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