As recentes declarações do presidente Lula (PT) sobre ajuste fiscal e política monetária do presidente do banco central, Roberto Campos Neto, geraram uma alta no dólar e uma desvalorização do real, o que pode aumentar a inflação nos próximos meses.
A moeda norte-americana, que equivalia a cerca de R$ 5,00 no começo do ano, chegou a R$ 5,70 nesta terça-feira (2). Felizmente, a cifra diminuiu para R$ 5,568 no fim da quarta-feira (3).
Em entrevista à Gazeta do Povo, Lívio Ribeiro, sócio da BRCG Consultoria e pesquisador em economia na Fundação Getúlio Vargas (FGV), apontou que mais de 80% da desvalorização do real no primeiro semestre deste ano se deve a causas internas.
Ele ressalta que a rápida alta do dólar frente ao real ocorre por conta do aumento da percepção de risco do país. Desde o começo do ano, a moeda americana aumentou mais de 17% em comparação com o real.
Nesse contexto, existem dois fatores principais para a alta do dólar frente ao real: a irresponsabilidade fiscal do governo federal e as falas de Lula contra o banco central e o corte de gastos.
Lula diz ter compromisso com o equilíbrio fiscal
Nesta quarta-feira (3), após reunião com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Lula afirmou que “responsabilidade fiscal não é uma palavra, mas uma obrigação do governo desde 2003”.
A diferença é que o primeiro mandato de Lula registrou superávits primários (quando o acúmulo de impostos supera as despesas, com exceção dos juros com a dívida) consecutivos, enquanto que a gestão atual tem déficits recordes. Haddad disse que o câmbio deve se estabilizar.
Na segunda-feira, Lula chegou a dizer que a alta do dólar ocorre por conta de um “jogo de especulação” e que o governo iria agir para evitar isso. “Obviamente que me preocupa essa subida do dólar. Há uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real nesse país”, falou à rádio Sociedade em Salvador.
Na realidade, o principal causador da desvalorização do real é a péssima gestão fiscal do governo federal. Desde junho do ano passado, o Brasil está apresentando déficit primário.
De acordo com dados do Banco Central, esses déficits passaram de 0,23% PIB, em junho de 2023, para 2,53% em maio deste ano. Desde o início do governo Lula, a dívida aumentou de 71,37% do PIB para 76,81% em maio de 2024.
Além disso, o déficit nominal (diferença entre arrecadação e gastos com adição dos juros com a dívida) do Brasil foi de R$ 998,6 bilhões no acumulado de 12 meses até março segundo o BC.
Esse é o pior resultado desde janeiro de 2021, em plena pandemia da Covid-19, quando o déficit atingiu R$ 1,016 trilhões.
Alta do dólar e rombo nas contas públicas aumenta
A deterioração das finanças públicas aumentou sem que o governo fizesse cortes de despesa significativos. Em evento no Rio de Janeiro no início de junho, Lula demonstrou que seu governo não priorizará o ajuste das finanças públicas.
Semanas depois, ele reiterou sua posição, questionando a necessidade de cortar custos e considerando aumentar a receita com impostos para resolver a questão.
Recentemente, ele criticou o mercado e chamou de “cretinos” os jornalistas que associam o seu discurso à valorização da moeda americana.
Apesar disso, na terça-feira (2), Haddad deu um diagnóstico semelhante ao que os analistas do mercado têm para a crise cambial. O ministro admitiu que os ruídos do governo fazem com que o dólar se valorize.
“Ajuste na comunicação, tanto em relação à autonomia do Banco Central, como o presidente (Lula) fez hoje de manhã, quanto em relação ao arcabouço fiscal. Não vejo nada fora disso: autonomia do Banco Central e rigidez do arcabouço fiscal, é isso que vai tranquilizar as pessoas. É uma questão mais de comunicação do que qualquer outra coisa”, afirmou.
O Déficit
Nesse contexto, o déficit brasileiro cresceu apesar das receitas recordes do governo, com R$ 203 bilhões somente em maio, um recorde nesse mês desde a série histórica, iniciada em 1995.
Além disso, o Brasil poderia ter um cenário de política fiscal mais atraente se tivesse mantido a meta do quadro fiscal para 2025.
À princípio, o objetivo era um superávit de 0,25% para o próximo ano, mas o Ministério da Fazenda reduziu a meta para déficit zero. O comunicado foi realizado em abril.
Em abril, o dólar também atingiu sua primeira alta do ano, de R$ 5,30. A mudança da meta fiscal, aliada ao mantimento dos altos juros pelo banco central dos Estados Unidos, contribuiu para que a cotação da moeda americana aumentasse da faixa entre R$ 4,90 e R$ 5,05, registrada em março.
O receio do mercado é o risco de que a movimentação do dólar obrigue o BC a aumentar a taxa Selic, atualmente em 10,50% ao ano, para conter a inflação.
Alta do dólar e críticas ao banco central
Em junho, durante uma entrevista à Rádio Verdinha, do Ceará, Lula criticou a decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) de manter a taxa Selic em 10,50%.
“Foi uma pena que o Copom manteve (a taxa em 10,5%), porque quem está perdendo com isso é o Brasil, é o povo brasileiro. Porque quanto mais a gente pagar de juros, menos dinheiro a gente tem para investir aqui dentro”, disse.
Além disso, o presidente questionou a autonomia do Banco Central: “Ora, autonomia de quem? Autonomia para servir a quem? Atender quem?”, complementou.
Depois de sete quedas seguidas da Selic, a taxa estabilizou em 10,5%, o que era esperado pelo mercado por conta do desequilíbrio fiscal e das expectativas de aumento da inflação.
O futuro do banco central
Uma preocupação do mercado é como a intervenção do governo no banco central pode piorar o cenário econômico. Isso porque Lula deve nomear um substituto para Roberto Campos Neto.
O nome mais provável é o do diretor de política monetária do banco, Gabriel Galípolo, que pode ser subserviente à Lula. Além disso, o presidente nomeará mais dois diretores no final deste ano. Assim, serão sete conselheiros, de nove, indicados pelo governo petista.
Recentemente, Lula disse ser “absurdo” ter que liderar o país por dois anos com um indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) dirigindo o BC.
“O Banco Central tem autonomia, o cidadão (Campos Neto) tem mandato. Veja que absurdo, eu ganhei as eleições para presidente da República e vou ficar dois anos com um presidente do BC indicado pelo adversário, que pensa ideologicamente diferente de mim, que pensa economicamente diferente de mim”, declarou à rádio Itatiaia, de Minas Gerais.
Em meio à alta do dólar, Marina Helena faz “enterro” do real em frente a B3
A pré-candidata a prefeita do NOVO em São Paulo, Marina Helena, realizou um ato simbólico em frente à Bolsa de Valores de São Paulo (B3) nesta quarta-feira (3). O objetivo do funeral simbólico era chamar a atenção para as graves consequências da alta do dólar para a população brasileira.
O fortalecimento da moeda norte-americana afetou diretamente o custo de vida de todos os brasileiros ao aumentar os preços de produtos básicos. “Com a alta do dólar, o trabalhador perde poder de compra. Cada vez mais, o pão na mesa, o leite das crianças e o combustível necessário para trabalhar ficam mais caros. Isso encarece toda a cesta básica e prejudica diretamente as famílias trabalhadoras”, defendeu Marina.
fonte: Novo